11 de abril de 2025

Grupos compartilham desinformação sobre autismo para lucrar com ‘cura milagrosa’, diz pesquisador da FGV

O Brasil é o país que mais dissemina desinformação sobre o autismo na América Latina e no Caribe, segundo um estudo inédito lançado nesta semana pela Fundação Getulio Vargas (FGV) em parceria com a Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (Autistas Brasil). A pesquisa analisou mais de 60 milhões de mensagens públicas em grupos conspiratórios no Telegram, postadas por cerca de 5 milhões de usuários de 19 países — 46% brasileiros, entre 2015 e 2025.

O levantamento identificou um aumento de mais de 15.000% na circulação de desinformação sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) nesses grupos ao longo dos últimos cinco anos. Foram mapeadas 150 falsas causas e 150 falsas curas atribuídas ao autismo.

“A gente encontrou mais de 40 mil publicações específicas sobre autismo com teorias da conspiração que variavam desde o campo magnético da Terra até consumo de Doritos, passando por Wi-Fi, vacinas e 5G”, contou em entrevista ao Conexão BdF, do Brasil de Fato, o pesquisador Ergon Cugler, autista e integrante do Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas (DesinfoPop/CEAPG/FGV).

Segundo ele, “essas comunidades vêm se profissionalizando na monetização da mentira”, o que transforma o discurso conspiratório em negócio. “Não basta dizer que o autismo é causado por essas coisas, eles vendem soluções milagrosas depois de fazerem terrorismo psicológico com as famílias.”

Entre os métodos perigosos divulgados nesses grupos, dois se destacam pelo alcance e gravidade: os chamados protocolos de desparasitação, que sugerem enemas com café quente e produtos tóxicos, e o uso do dióxido de cloro (CLO₂) — substância industrial proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para fins medicinais — para “curar” o autismo e até mesmo câncer, HIV e AIDS.

Além de vender os produtos, os grupos oferecem infoprodutos, como cursos online e e-books que ensinam a produzir e aplicar essas substâncias em casa. “São pessoas mal-intencionadas que causam pânico moral para, logo em seguida, tentar arrancar dinheiro de familiares de pessoas autistas que estão buscando alguma alternativa”, alerta Cugler.

Diagnósticos falsos e golpes

Outro problema crescente citado por ele é a venda de testes rápidos fraudulentos que prometem identificar o autismo em “5 ou 15 minutos”, cobrando entre R$ 30 e R$ 40. “Isso é golpe. O diagnóstico de TEA é complexo, demanda uma equipe multidisciplinar, especialmente neuropsicólogos capacitados, e pode levar até seis meses”, reforça.

Cugler, que também é autista, alerta para os riscos desse tipo de desinformação: “A pessoa cai num teste desses e depois compra produtos para um filho que nem é autista”. Para ele, é necessária uma investigação da situação pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), uma vez que esses produtos são vendidos não só nos grupos do Telegram, como aparecem também em plataformas de e-commerce, como Mercado Livre e Amazon.

O pesquisador lembra que o autismo não é uma doença, mas uma condição do neurodesenvolvimento com origem majoritariamente genética. Não há cura milagrosa, e sim a necessidade de adaptação social e suporte individualizado. “O TEA é uma condição humana caracterizada por uma série de questões, como dificuldade na interação social, hipersensibilidade auditiva e visual. Temos níveis de suporte de 1 a 3, mas cada pessoa é única. Precisamos lidar com essas questões, e a sociedade precisa incluir essas pessoas, não apenas pelo viés produtivista, mas para que possam ser felizes e se integrar.”

Para ouvir e assistir

O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.



Fonte ==> Brasil de Fato

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