A proposta do Ministério dos Transportes para ampliar o acesso à Carteira Nacional de Habilitação parte de uma realidade alarmante: 20 milhões de brasileiros dirigem sem a CNH. O dado da pesquisa Perfil do Condutor Brasileiro, do Instituto Nexus, revela o que se tornou evidente: o atual modelo de formação de condutores é caro, burocrático e excludente.
O impacto social é direto. Dos que ainda não possuem CNH, 56% têm o desejo de se habilitar, mas enfrentam barreiras econômicas e de tempo; 32% citam o custo como o principal impedimento e 42% consideram o processo longo ou muito longo.
Mesmo entre os que conseguiram a carteira, 36% apontam o custo como o maior desafio e 21% a falta de tempo para cumprir as exigências atuais. A percepção geral é de que o serviço não entrega o que cobra: 66% acham o valor injustificável, e 69% defendem reformas para reduzir custos e burocracia. Para 60% da população, tornar a autoescola opcional, como já ocorre em muitos países, é o caminho certo.
Os efeitos do modelo atual comprometem diretamente a segurança no trânsito. Motos já representam 42% da frota nacional, chegando a 60% no Maranhão, onde mais de 70% dos proprietários de motos não têm habilitação: são mais de 1 milhão de pessoas apenas neste estado!
O avanço da informalidade na condução de veículos tem contribuído para o agravamento dos indicadores de sinistralidade viária em todo o país.
A correlação entre renda e exclusão também é clara: os estados com menor renda familiar (IBGE) têm o maior número de pessoas sem habilitação e os maiores crescimentos nas mortes no trânsito, segundo a Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito).
A pesquisa revela ainda que a população enxerga a mudança como instrumento de justiça social: 51% dos entrevistados acreditam que reduzir os custos amplia o acesso da população de baixa renda. Outro dado importante é que a exclusão é ainda maior entre as mulheres: 66% não têm habilitação, o que reforça o machismo estrutural também nesse universo. Na prática, o que acontece nas famílias é que, na hora de “privilegiar” alguém arcando com os custos da CNH, os homens acabam sendo os escolhidos.
A modernização proposta não compromete a segurança no trânsito. Ao contrário, busca aprimorá-la por meio da inclusão e formalização dos condutores. Hoje, é por meio das provas teóricas e práticas aplicadas pelos Detrans que se avalia a aptidão dos candidatos à CNH. Esse modelo de avaliação continuará. O que muda é a forma como o cidadão poderá se preparar de forma teórica e prática: nas autoescolas, por meio de ensino a distância ou com plataforma digital disponibilizada pela Senatran e instrutores independentes devidamente preparados e credenciados pelos Detrans.
O modelo que propomos permite adaptação às realidades e rotinas de cada condutor em formação, ampliando o acesso sem renunciar à qualidade. Essa mudança na jornada formativa, aliada à abertura do mercado, tende a reduzir custos, estimular inovações pedagógicas e elevar a qualidade do ensino, beneficiando especialmente quem hoje está excluído do sistema.
Democratizar a CNH é enfrentar uma exclusão estrutural com responsabilidade. É reduzir desigualdades, ampliar oportunidades e salvar vidas nas ruas e estradas do país.
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Fonte ==> Folha SP